20 novembro, 2012

Debaixo da árvore.


           
 O celular tocou. Não era o despertador que ele acostumara-se a ouvir. Nem de longe também era o horário para que tocasse. Ele tateava o móvel, uma banquinha de cabeceira que se encontrava ao lado da bicama onde ele dormia. Queria encontrar logo o motivo do barulho. Antes que sua irmã, acordasse ou mesmo antes que ele perdesse a ligação. E encontrou apertando o botão de atender, sem mesmo antes de ver quem era. Do outro lado alguém disse:
            - Alô, Davi?!
Ele tremulando a voz, não conseguia pensar, sequer formular uma frase bem construída, seja gramaticalmente, seja em questão de sentido:
            - Eu, Alô... Quem é?
            - Te acordei? Desculpa.. Sou eu, não reconhece minha voz?!
Naquele momento tudo que ele era menos capaz de reconhecer era uma voz. E pra não magoar a pessoa que estava do outro lado, perguntando quem era novamente, afastou o telefone da orelha com esperança de que o número estivesse salvo na agenda. Era Maria.
            - Não tem problema. Mas por que tão cedo?
            - Tás em casa? Posso passar aí?
            - Como assim? Quando? Ahn?
            - É que tô viajando pra Chã Grande passar o fim de semana na casa da minha avó, e eu preciso te dar um negócio que comprei pra ti.
            - Comprasse o quê? Queres passar aqui de que horas?
            - Surpresa. Daqui a uma hora pode ser?!
            - Me liga quando estiver chegando que eu desço, tá?!
            - Tá bom.. Beijos Davi.
            - Beijos.
E ele apagou. Dormia como se nunca houvesse dormido, e como se aquela conversa não houvesse existido. O barulho estridente do toque do celular interrompe seu sono pela segunda vez. Não sabia dizer exatamente quanto tempo se passou. Apenas procurou o celular e atendeu.
            - Já estou na sua rua!
            - Anh?
            - Desce!
            - Mas eu pedi pra tu me avisar.
            - Tô te esperando. Beijos.
E pulou da cama. Correu para o banheiro. Pensou em milésimos de segundos se só jogava água no rosto ou se tomava um banho rápido. Antes que demorasse mais seu pensamento, escovou o dente já debaixo do chuveiro. E se vestiu. Pôs uma bermuda já atrás da porta e um camisa. Qualquer camisa. Estava ridículo, mas não tinha saco pra pensar. E desceu. Correndo. A cara denunciava o sono. Cabelo pingava e escorria pela nuca. Nada importava. Chave já na mão. E chegou ao portão de entrada. Ela ainda vinha lentamente na rua. Ele observava, e tirava a água da nuca, tentando ainda se adaptar ao sol que quase o cegava. Ela se aproximou e sorriu. Sorriu como se debochasse da cara de acabei de acordar dele, quando na verdade tava encantada com isso e disse.
            - Desculpa ter te acordado...
            - Tô curioso, o que te trouxe aqui?
            - Eu precisava te entregar um negócio.
            - O quê?
            - Primeiro, vamos pra lá, sair desse sol que tá te fazendo mal aos olhos.
E pegou ele pelo braço, puxando com doçura até uma árvore. Numa pracinha bem pequena, sem bancos sentaram se no meio-fio. Olharam se, sorrindo. O sorriso dele agradecia, o dela confortava. Ainda sorrindo, abriu a bolsa e pegou um bombom de chocolate. Entregou rindo e disse:
            - É pra você!
            - Mentira né? Eu não acredito que saiu de casa, muito cedo, antes de viajar pra curtir o são João, e veio de ônibus aqui só para me entregar um sonho de valsa.
            - Foi, não gostou?
            - Gostei sim, mas não é só pra isso é? Tu me acordou pô!
Ela riu, ele tinha soado irônico. E realmente foi. Não se importava em se acordar cedo, ele a viu, e nenhum sono valia tanto. O sorriso dela pagava qualquer coisa. Ela também riu, e o desarmou. Naquele momento qualquer possível raiva sumiria, mesmo uma raiva simples como a de ser acordado. E pegou a pela mão, tomando o bombom, e aproximando-se dela. Por fim ele retomou:
            - Obrigado. Eu acho que devo te dar um abraço para agradecer!
Ela sorriu e abriu os braços de forma que aceitava o abraço sem dizer uma palavra. E o abraçou. Com tanto carinho e uma ternura nunca antes sentida pelos dois amigos. E dois corações que não palpitavam por um abraço. As batidas eram aceleradas a cada aperto, ou a cada centímetro de pele que sentia outro centímetro de pele um do outro. E quando soltaram o abraço, olharam um pro outro, sorridentes, como duas crianças. E como duas crianças não conseguiam se encarar sem sorrir. E como duas crianças, não sabiam o que estavam fazendo. E deram as mãos novamente. Desta vez os 2 pares. A distonia aguçava-se. Os dedos mostravam a tensão e brincavam de se mexer incessantemente. Até que ela olhou para ele, com um olhar mais sério, e ele sem entender o motivo da seriedade aparente avançou o rosto em direção ao dela. A distância percorrida fora de 90%. Com os olhos fechados, e os lábios de um beija-flor. Apenas queria que a flor, com a ajuda talvez de um vento, andasse mais dez por cento. E a flor o fez. O primeiro beijo de qualquer casal, certamente não é o mais interessante. Completo que geralmente é o pior beijo. Não se conhecem as bocas e nem os tipos de beijo de cada um. Aquelas bocas já tinham beijado. Várias bocas até. Distintas. Sabiam, cada um a seu modo, como beijar. Ela com ardência, desejo, fogosidade. Ele com calma, doçura e carinho. Aquele não fora o pior beijo deles, mas com certeza o mais marcante. Para alguns, um beijo é apenas um beijo. Mas para aqueles dois, um beijo era especial, e este fora capaz de mudar os destinos.