20 novembro, 2012

Debaixo da árvore.


           
 O celular tocou. Não era o despertador que ele acostumara-se a ouvir. Nem de longe também era o horário para que tocasse. Ele tateava o móvel, uma banquinha de cabeceira que se encontrava ao lado da bicama onde ele dormia. Queria encontrar logo o motivo do barulho. Antes que sua irmã, acordasse ou mesmo antes que ele perdesse a ligação. E encontrou apertando o botão de atender, sem mesmo antes de ver quem era. Do outro lado alguém disse:
            - Alô, Davi?!
Ele tremulando a voz, não conseguia pensar, sequer formular uma frase bem construída, seja gramaticalmente, seja em questão de sentido:
            - Eu, Alô... Quem é?
            - Te acordei? Desculpa.. Sou eu, não reconhece minha voz?!
Naquele momento tudo que ele era menos capaz de reconhecer era uma voz. E pra não magoar a pessoa que estava do outro lado, perguntando quem era novamente, afastou o telefone da orelha com esperança de que o número estivesse salvo na agenda. Era Maria.
            - Não tem problema. Mas por que tão cedo?
            - Tás em casa? Posso passar aí?
            - Como assim? Quando? Ahn?
            - É que tô viajando pra Chã Grande passar o fim de semana na casa da minha avó, e eu preciso te dar um negócio que comprei pra ti.
            - Comprasse o quê? Queres passar aqui de que horas?
            - Surpresa. Daqui a uma hora pode ser?!
            - Me liga quando estiver chegando que eu desço, tá?!
            - Tá bom.. Beijos Davi.
            - Beijos.
E ele apagou. Dormia como se nunca houvesse dormido, e como se aquela conversa não houvesse existido. O barulho estridente do toque do celular interrompe seu sono pela segunda vez. Não sabia dizer exatamente quanto tempo se passou. Apenas procurou o celular e atendeu.
            - Já estou na sua rua!
            - Anh?
            - Desce!
            - Mas eu pedi pra tu me avisar.
            - Tô te esperando. Beijos.
E pulou da cama. Correu para o banheiro. Pensou em milésimos de segundos se só jogava água no rosto ou se tomava um banho rápido. Antes que demorasse mais seu pensamento, escovou o dente já debaixo do chuveiro. E se vestiu. Pôs uma bermuda já atrás da porta e um camisa. Qualquer camisa. Estava ridículo, mas não tinha saco pra pensar. E desceu. Correndo. A cara denunciava o sono. Cabelo pingava e escorria pela nuca. Nada importava. Chave já na mão. E chegou ao portão de entrada. Ela ainda vinha lentamente na rua. Ele observava, e tirava a água da nuca, tentando ainda se adaptar ao sol que quase o cegava. Ela se aproximou e sorriu. Sorriu como se debochasse da cara de acabei de acordar dele, quando na verdade tava encantada com isso e disse.
            - Desculpa ter te acordado...
            - Tô curioso, o que te trouxe aqui?
            - Eu precisava te entregar um negócio.
            - O quê?
            - Primeiro, vamos pra lá, sair desse sol que tá te fazendo mal aos olhos.
E pegou ele pelo braço, puxando com doçura até uma árvore. Numa pracinha bem pequena, sem bancos sentaram se no meio-fio. Olharam se, sorrindo. O sorriso dele agradecia, o dela confortava. Ainda sorrindo, abriu a bolsa e pegou um bombom de chocolate. Entregou rindo e disse:
            - É pra você!
            - Mentira né? Eu não acredito que saiu de casa, muito cedo, antes de viajar pra curtir o são João, e veio de ônibus aqui só para me entregar um sonho de valsa.
            - Foi, não gostou?
            - Gostei sim, mas não é só pra isso é? Tu me acordou pô!
Ela riu, ele tinha soado irônico. E realmente foi. Não se importava em se acordar cedo, ele a viu, e nenhum sono valia tanto. O sorriso dela pagava qualquer coisa. Ela também riu, e o desarmou. Naquele momento qualquer possível raiva sumiria, mesmo uma raiva simples como a de ser acordado. E pegou a pela mão, tomando o bombom, e aproximando-se dela. Por fim ele retomou:
            - Obrigado. Eu acho que devo te dar um abraço para agradecer!
Ela sorriu e abriu os braços de forma que aceitava o abraço sem dizer uma palavra. E o abraçou. Com tanto carinho e uma ternura nunca antes sentida pelos dois amigos. E dois corações que não palpitavam por um abraço. As batidas eram aceleradas a cada aperto, ou a cada centímetro de pele que sentia outro centímetro de pele um do outro. E quando soltaram o abraço, olharam um pro outro, sorridentes, como duas crianças. E como duas crianças não conseguiam se encarar sem sorrir. E como duas crianças, não sabiam o que estavam fazendo. E deram as mãos novamente. Desta vez os 2 pares. A distonia aguçava-se. Os dedos mostravam a tensão e brincavam de se mexer incessantemente. Até que ela olhou para ele, com um olhar mais sério, e ele sem entender o motivo da seriedade aparente avançou o rosto em direção ao dela. A distância percorrida fora de 90%. Com os olhos fechados, e os lábios de um beija-flor. Apenas queria que a flor, com a ajuda talvez de um vento, andasse mais dez por cento. E a flor o fez. O primeiro beijo de qualquer casal, certamente não é o mais interessante. Completo que geralmente é o pior beijo. Não se conhecem as bocas e nem os tipos de beijo de cada um. Aquelas bocas já tinham beijado. Várias bocas até. Distintas. Sabiam, cada um a seu modo, como beijar. Ela com ardência, desejo, fogosidade. Ele com calma, doçura e carinho. Aquele não fora o pior beijo deles, mas com certeza o mais marcante. Para alguns, um beijo é apenas um beijo. Mas para aqueles dois, um beijo era especial, e este fora capaz de mudar os destinos.


17 setembro, 2012

Um dia, num mês,


                
- Eu estou bêbado!

Foi isso que ele disse, antes de levantar e ir ao banheiro cambaleando entre as paredes. Todos riram da situação e não estavam menos bêbados. Adentrou o banheiro que já cheirava mal. Tinha cheiro de urina dos embriagados. E não se aguentou sobre as pernas. Ajoelhou defronte ao vaso bege e vomitou. Vomitou tudo que tinha ingerido de ruim. O álcool acabara de ser consumido, e ele na pouca consciência que ainda lhe restava levantou e andou. Segurando a cortina, ou a toalha pendurada no porta toalhas. Retomou o equilíbrio. Chegou ao espelho. Jogou água no rosto e esfregou as pálpebras. Bochechou um pouco de enxaguante bucal e baforou nas próprias mãos sentindo o cheiro do hálito. O gosto da cerveja ainda nas papilas gustativas, deixou sua boca com sabor de remédio infantil.  E olhou no espelho e falou pra si mesmo:
           
            - Você não vai conseguir ficar pior que isso. Agora é a hora.

Se encarou no espelho. Olhava dentro de olhos negros que queriam chorar, e que quase conseguiram evitar uma lágrima que escorreria, mas fora enxuta. E continuou falando só:
            - Você é um babaca por ter que encher a cara pra fazer isso, mas já que o fez, use a coragem que você não diz ter mas que acha que o álcool te dá!

E saiu. Abriu a porta do banheiro, segurava nas paredes do estreito corredor e as coisas assim como seus movimentos parecia tudo mais lento do que o habitual. Olhou para o relógio pendurado na parede. Demorou uns trinta segundos para decifrar os ponteiros. Ainda havia tempo, pouco passara das 10 da noite. Passou por todos que sentavam no chão ao lado de garrafas de vodcas baratas, vinhos importados e litros já pela metade de cachaça. Todos estavam bêbados para notar que ele não estava bem. E isso em aspectos físicos e psicológicos. Todos riam entre si, bebiam descontroladamente e sem a moderação indicada. Ouviu alguém perguntar se ainda iria brincar com o grupo um daqueles joguinhos etílicos. A resposta foi seca com o indicador que balançava de um lado ao outro. As palavras não sairiam. Seguiu até a varanda, talvez o ar não o ajudasse a pensar, mas diminuiria significantemente a sua sensação de enjoo. Encostou as costas na parede e deslizou sua camisa de poliéster com a intenção de sentar no chão. Embora ébrio, conseguiu tal façanha. E pôs o celular para fora do bolso, que com o a cerveja ingerida parecia mais apertado e profundo naquele momento. Tateava o teclado. Bloqueava e desbloqueava as funções. Hesitava o tempo todo. Pensava se deveria ou não se importar naquele momento. Percebeu a presença de alguém na varanda também sentada. Estava escuro. Não queriam luz. Ela queria paz e um cigarro. Ele queria ar e coragem. Ela sorriu e chamou o pelo apelido carinhoso que ele tinha. E fora tão carinhosa, utilizou tal vocativo pelo diminutivo. E apagou o cigarro e abriu os braços. Ele sorriu. Ela ofereceu o colo e ele deitou. Ele voltou a mexer no celular. Ela alisava seus cabelos e notou sua inquietação. Perguntou:

- O que foi Paulinho?
            - Nada, não. Tô bêbado.
            - Seu corpo diz isso, seu olhar não.
            - Meu olhar anda fosco já faz um tempo.

Ela acariciava seus cabelos, ele passeava seus dedos por entre o touchscreen do seu novo celular. Procurava um nome. Na verdade procurava uma solução. Alguém que confiasse o bastante, ou que valorizasse a opinião, mesmo que não a seguisse. Alguém que dissesse o que fazer ou não fazer. Dar a coragem necessária ou retirar o excesso E tateou nome a nome. Abria e via os nomes. Olhava os números de um por um. Letra a letra em ordem alfabética. Desistiu na letra D. Pensou em guardar o celular, e até fez o movimento. Teve uma luz, e como nos desenhos animados os olhos deles arregalaram. Pensou em Luiza. Pegou o telefone e antes que pensasse mais ligou. O telefone não tocou. Estava simplesmente desligado. Luiza não atenderia. Era um sábado a noite, por isso a perdoou. Não sem antes ter uma crise de falta até de amigos que sempre estiveram lá. Todos tinham se tornado desnecessários por fim, embora, e muito embora os amigos sempre foram fundamentais. “Não importa” pensou consigo mesmo. Voltou a si quando notou os carinhos na cabeça. Não estava sozinho. Pensou em jogar o celular pela varanda, mas era um segundo andar e ele se espatifaria. Tomou a decisão. Nem era tão corajoso assim. Não ligaria mais pra ninguém. Não da agenda. O número de que ele precisava não saiu da sua cabeça desde a primeira vez que ele discou. E dessa vez digitaria uma última vez. Ou penúltima. Não sabia. Dentro do bolso retirou um papel, ensaiava frases, versos. Foi interrompido:

            - O que escreves e que inquietação é essa?   
            - Procuro palavras pra um SMS.
            - Pra quem?
            - Alguém que morreu pra mim, ou que eu queria que morresse dentro de mim.
            - É ela?           

Nada disse. Já tinha dito com a lágrima que descia do seu rosto. As frases se montavam e desmontavam o tempo todo. E começou a digitar no celular:
“Parabéns. Primeiro me desculpa por não ligar. Estou bêbado, mas não tenho coragem. Por fim, isso não me faria bem. Felicidades, sucesso, tudo de bom. Te amo. Ainda. E muito. P.S: Queria te ver sorrindo hoje.”. Hesitou. Apertou enviar e cancelar várias vezes. Enviou. E chorou. Muito. A garota que oferecia o colo enxugou suas lágrimas. E ele dormiu. Dormiu e acordou de madrugada. Com frio e o celular na mão piscando. Uma ligação perdida, ou uma mensagem. A segunda. E dizia “Oi. Eu preferia que você tivesse ligado. Eu entendo porque você não veio, mesmo assim obrigada pela mensagem.” E ele não ligou, não ligaria também. Culpou-se. Perdoou-se em seguida. E não se falariam mais. E chorou. E dormiu no colo da garota. Pensou em respostas durante a rápida insônia, lembrou-se da eternidade do amor que pregava, do sorriso ainda recente que jamais veria e se visse tivesse a oportunidade de ver evitaria. Acordou já num colchão inflável na sala, a bela moça que acariciava seus cabelos e que o viu chorar dividia com ele o local para dormir. De lado, com uma das mãos sobre o peito dele. Retirou a mão com cuidado pra não acordá-la. Levantou atrás de água para a ressaca do dia anterior. Mais desesperadamente procurou o celular, e encontrou ao lado do colchão. Pegou o celular, recomeçando a ensaiar frases na cabeça. Mas a frase que escreveria sairia da coração. E assim escreveu: “Eu te amo muito, mas não posso mais gostar de você, não posso mais me apaixonar por você porque não posso ter você. Queria te ligar. Mesmo. Mas as palavras não sairiam. Nada impensado presta. Não acredito mais em amor, mas se existir, o meu é seu. Não me liga mais, nem responde essa mensagem. Não se importe. Adeus. Te amo”. Falar-se-iam novamente depois de tempos?Ver-se-iam novamente? Amar-se-ão novamente? Amarão outros?  Isso ficará sem resposta. 

P.S: Não queria uma imagem triste!


04 julho, 2012

Um mero sorriso



Você se importaria
se eu não soubesse o que dizer?
Se só neste momento
as palavras soassem vagas?
E então...
O silêncio viraria música
para os seus ouvidos?
E se a melodia se tornar agradável,
você irá sorrir?
Não mostre os dentes,
Não gargalhe
Apenas esboce um sorriso
E os seus olhos de tristeza,
finalmente serão vivos.
Sorria pra mim,
uma vez apenas,
duas, três...
sempre que eu precisar,
quando eu precisar de um sorriso
conceda-me tal alegria
porque outras bocas me sorriem
Mas não me animam,
nem me dão a alegria,
de um mero sorriso,
se este é vindo de ti.

03 junho, 2012

Um restaurante..



Havia dez anos que aqueles olhos não se viam. Na verdade havia esse tempo que eles não se enxergavam. Não verdadeiramente. Não lembrava dos olhos miúdos dela e de como eles pareciam belos. Por (falta de) sorte, já teria esquecido da brancura dos seus dentes quase perfeitamente simétricos. Não procuraram se encontrar, simplesmente puff... Aconteceu. Peça, daquelas que o destino prega. Num domingo, ensolarado, daqueles ideais para uma praia. Quase meio dia. Estacionou o carro e trancou em seguida. Sairia do ar e praguejaria em seguida contra o calor, contra a umidade relativa do ar, relativamente alta naquele dia. Atravessou a rua para o lado do restaurante e inutilmente procurou por sombras de árvores. Teria que andar uns trinta metros sobre o sol escaldante. Reclamou para si mesmo do calor, tirou um paninho do bolso e enxugou o rosto ainda gelado do ar-condicionado do carro e já suado da falta dele. Adentra o restaurante. Tudo que queria naquele momento era estar na parte refrigerada do estabelecimento. Pediria uma coca, esperaria sentado por seu macarrão Chop Suey. Sentou-se. Chamou o garçom e de repente sentiu um leve toque no seu ombro:

-Pedro?!

E virou. Lentamente. O som da voz era uma vaga lembrança, cada vez menos familiar. Olhos nos olhos, como há muito não faziam, e que repetiram o brilho da primeira vez, dezoito anos atrás. Não eram mais crianças. Nem adolescentes. Tampouco tinham as auras despreocupadas. Já carregavam o fardo repudiável de serem adultos. Não eram mais os mesmos. Mesmo sendo. Eram diferentes. Os olhares se penetraram por longos segundos. E lembranças passaram como um turbilhão. Boas ou ruins, passaram em segundos. Ou milésimos de segundo. Não sabiam contar o tempo. Não existia tempo, não além dos dez anos daquele encontro. Um aperto no coração dele, um súbito desconforto estomacal nela. Isso tudo no momento em que ele ouviu aquela voz que sorria, e no momento em que ela esticou o braço para tocá-lo. As palavras seguintes seriam desconexas se fossem proferidas. Então tudo que conseguiu dizer foi:

- Lisa.

A mudez prosseguiu por eternos segundos. Como aqueles segundos, os ditos do momento que antecede a sua morte. Mas eles estavam vivos. As pupilas mudavam as direções. Analisavam a anatomia dos corpos alheios. O que mudou nestes dez anos? O que está igual?. Tentavam a todo custo descobrir e redescobrir um ao outro. Ela estava não menos bonita. O corpo bronzeado e sinuoso agora de mulher feita, talvez mãe, dentro de um vestido florido cabelos um pouco mais longos do que o de costume, num castanho escuro mais bonito que os negros de outrora. O mesmo sorriso, os mesmos olhos. Ele, mais forte, com cara de homem, óculos de grau no rosto, barba por fazer e não mais rala. Uns primeiros grisalhos já apareciam, parecia estar mais alto, mas só tinha ganho músculos, exibidos entre os botões de sua camisa polo preta aberta, com uma bermuda bege e sapatos de cetim. Mulher e homem. Feitos agora. Sentiram a estranheza do silêncio que começava a incomodar. Ele nunca se incomodou com isto, já isto a falta de sons a irritava, então por lógica ela falou:

- Como vai você?

As palavras que eram desconexas, se embaralharam na cabeça dele. Na verdade sumiram. Abriu os lábios na tentativa de que elas viessem a ponta da língua e por consequência saíssem. Ela distribuiu um sorriso convidativo a qualquer resposta. Um sorriso que pedia afabilidade na resposta. Um sorriso que apagasse qualquer má lembrança, e nesse sorriso ele queria se perder. A resposta então seria “bem obrigado e você?” seguido de um sorriso também doce. Mas como fazer isso sem mentir. Ele estava bem realmente. Ela provavelmente também. O tempo havia se encarregado de tudo. Ela puxou uma cadeira e perguntou:

-Tem alguém aqui?

Ele nada disse. Apenas balançou a cabeça negativamente. Sem sorrisos, sem expressões de alegria ou de estar confortado com a situação. Ela cruzou as pernas e botou a bolsa sobre a mesa, onde a mão dele já estava. Naquele momento, viu um anel. Uma aliança, ou anel de compromisso. Era noiva. Ele já tinha passado o anel no mesmo dedo, porém trocara para mão esquerda havia pouco tempo. Pensou em levantar, sair dali, fugir daquilo. Responder doeria. Voltou a olhar nos olhos dela. Respondeu sua pergunta:

-Não, não tem ninguém aqui.

Chamou o garçom. Apenas com um gesto. Que foi respondido com um outro aceno. O garçom veio em direção a mesa e trouxe a bebida. Recebeu um sorriso como agradecimento. Entregou o menu a moça, e continuou a atender as mesas. Ela olha pra mão dele ao pegar o copo e pergunta:

- Casou?
- Sim. Faz 1 ano.
- Estou noiva.


Nada disse. O que diria ele? A falta de respostas geram mais perguntas. Pelo menos tende a ser assim. E na ausência de novas perguntas ou de novas frases, a calmaria se instala. Ela pergunta:

- Não vai dizer nada?
- O que você espera que eu diga? Quer que eu a parabenize? Que eu pergunte quem é? Perguntar se ele te faz feliz?
- Desculpa.
- Relaxa... Garçom vai demorar?!
- Eu te incomodo estando aqui?
- Não. Eu me incomodo.
- Se eu soubesse..
- Não importa mais. Nada importa mais. Há 10 anos, nada mais importa.


E neste exato momento, o garçom chega com a conta dele e com a comida pra viagem em 2 embalagens. Ele pega a carteira e tira uma nota dizendo que poderia ficar com o troco. Guardou a carteira. E levantou da mesa. Pôs um óculos escuro no rosto. Sorriu secamente e ela disse:

- Pensei que poderíamos almoçar juntos um dia depois de tanto tempo e sem mágoas.
- Não leva a mal, minha mulher e filha estão em casa me esperando.
- Você tem uma filha?
- Tem 3 meses. Chama-se Lisa.


E partiu. Firme, forte, com lágrimas contidas. Desistiu e parou. Deu meia volta e disse:

- A propósito, da sua primeira pergunta, eu estou vivo, tenho saúde, estou financeiramente estável, tenho uma bela família, uma filha linda e uma esposa adorável que me ama verdadeiramente. Pra todo mundo que me pergunta esta mesma pergunta, eu digo que estou bem. Mas sendo bem sincero, você deveria saber, que é a única pessoa, que não poderia me fazer essa pergunta.
- Por que?
- Porque até hoje eu me culpo, e minto pra mim. Me digo que só seria completo com você, o que pode parecer mentira! E pra constar, infelizmente, a gente ama quem a gente ama, não importa por que a gente ama. Eu te amo, só não gosto mais de você. Adeus.


E seguiu. Lágrimas que se contiveram caíram. Nos olhos de ambos. Torceu para que nunca mais se encontrassem e que só lembrasse dela quando a vida passasse diante de seus olhos. Ela aprenderia agora, e somente agora a viver sem amor.



15 abril, 2012

Observados pela lua



Não era o mais confortável. Nem mesmo talvez onde eles queriam estar. Se apertavam num par de cadeiras de ônibus. Um frio do ar-condicionado, que na noite gelada, tornaria tudo bem mais acolhedor se não fosse tão incômodo. O vento esfriava ainda mais aqueles corpos que deveriam estar quentes. Mas não estavam. E na tentativa inútil e visivelmente fracassada de se aquecer, apertavam-se, o que na verdade só os encolhia e deixava os vulneráveis a baixa temperatura. Mãos passeavam por pernas ou trocos. Em outro momento os braços enlaçavam os troncos. Para eles aquilo surtia efeito, embora fosse tão somente psicológico. Em outra hora, dedos se cruzavam por entre as mãos quando dadas, cansados e em busca de um braço, um toque. Como se o tato fosse a visão, os dedos se viam. Ela, apertava-se num travesseiro fino, embora macio, encostado no peito dele. Os belos cabelos castanhos, ondulados e longos estavam soltos e tocavam a face, e com o perfume que exalavam, perfumavam pouco a pouco a fronha amarela lisa, com pequenos bordados. Os braços o envolviam como pessoas que não querem de forma alguma separar. Nem queriam. As mãos delas, ora acariciavam os poucos pelos do braço dele. Ora tocava a bochecha com a barba perfeitamente bem feita e quando cansadas, desciam e descansavam sobre o peito dele. Ele a abraçava como uma criança. Segurava como a um bebê. Como se pudesse protegê-la de tudo, mesmo sendo tão desprovido de traços físicos de um brutamonte. Envolvia por trás do travesseiro e os dedos dele que não brincavam com sua mão, tocavam sua face, afastando da testa e dos olhos dela os cabelos. E lá estavam, num silêncio absoluto. Um sossego dos outros passageiros que eram figurantes. Dormiam, muito provavelmente. Ela tentava dormir, ele olhava pra lua cheia. Suspirou de leve, mas profundo, ela abriu os olhos. Ele com sua péssima visão periférica conseguiu perceber o movimento lento dos olhos dela. Ela sorriu. Ele apenas piscou. Ele falou:

- A lua tá linda.
- Tá mesmo.

E ela voltou aos seus braços. Ele estava sério. Talvez frio. Se encaram. Ela o viu. Ele a enxergou. Ela queria entender porque aquela expressão séria. Então perguntou:

- O que foi?
- Nada.
- Tem certeza?

Apenas balançou a cabeça. Sorriu depois. Um dia ela entenderia que naquele momento ele estava bem. Sentia como um garoto de dez anos novamente. Nada importava. Nada mesmo. O frio não o incomodava mais. Ele estava exatamente onde ele queria estar. Sentindo o que ele queria sentir de novo. As borboletas no estômago. Palpitando o coração. Olhava com a profundidade de uma fossa abissal no meio do oceano Pacífico. Ela respondia o olhar, porém não entendia o “Nada” proferido por ele. Mas olhava o. Até com mais exatidão, porque ele tava iluminado pelo reflexo da lua. Ele tomou a pela nuca e tornaram a se beijar. Talvez todo aquele “Nada” começasse a fazer sentido. Pra ele já tinha sentido. Muito antes, muito antes. Ela entendeu, ele, finalmente, redescobriu a Paixão.

Patrícia Rossiter Obrigado pela ajuda geográfica na parte da Fossa Abissal.
Tati e Bené também.

31 março, 2012

Nudez


O lugar não seria sagrado, nem poderia ser. O que eles acabavam de ter feito não poderia ser jamais considerado como sagrado. Tampouco profano. Não poderia ser profano. Era apenas um meio termo, não adjetivado. E se olhavam enfadados, exauridos. Ela com um olhar de felicidade, aliviada. Ele com uma cara de bobo, apenas contemplando tudo que de belo havia. E deitaram-se lado a lado. Sorrisos estampados. Belos dentes a mostra. A respiração ofegante diminuía sua velocidade e se normalizava aos poucos. Lentamente, com uma calma de quem já não tinha mais pressa. Corpos ainda suados brilhavam. Cor de jambo. E continuavam a se olhar, profundamente. O silêncio não ousava dizer nada. Os lábios mantiveram-se intactos. Talvez a língua tocasse o céu das bocas. Talvez estivesse tão ofegante quanto os corpos. E tão somente se olhavam. O olhar dela não fixava um ponto. Vivos como eram os olhos dela não conseguiriam se conter. E olhava-o nos olhos negros opacos, nos lábios rosados e murchos e nos dentes brevemente escondidos e perfeitamente perfilados, ainda que amarelados. Já ele olhava apenas para os olhos dela. Não piscava, nem muito menos mudava a direção do olhar. Apenas admirava os olhos dela que sempre se encontravam timidamente abertos porque eram miúdos. Ele não saberia dizer a cor dos olhos miúdos. Não buscaria saber. Não. Não conseguiria encontrar uma cor para os olhos dela por mais escuros que pudessem parecer, pois apenas os pontinhos menores ele seguia. Eram vivos. Intensos. Sempre ouvira dizer que os olhos são o espelho da alma, e para ele, isso se tornava verdade naquele exato momento. Uma alma sorridente. E feliz. E frágil. E afável. Era assim. Ele cobriu corpo. A anatomia crua voltava a atingir o pudor que ainda tinha. E cobriu os sexos enquanto ela se contorcia e acaricia com as mãos quentes os braços. Esfrega-os contra as mãos na tentativa de se aquecer. Ele ainda observa os olhos dela. Ela desiste e se cobre também. Deixa apenas os seios a mostra. Olha-o com cara de quem quer perder o pudor novamente e ri. Maliciosamente. Ele ignora. Continua com sua cara de bobo. Ela fica desconsertada e pensa em ensaiar uma frase. Perguntaria, pediria uma pausa ou demandaria uma justificativa para aquele olhar. Ao invés disso ela estica o pescoço e o beija na face. Segue beijando até a boca onde entrelaçam as línguas. Docemente, acanhadas. A maneira que ele gostava. Romântico. Ela não. Sensual. O silêncio não poderia ser quebrado. Na verdade, não deveria, pois seria destruído. Antes ela sorri. Ele olha agora seu sorriso. Ela diz:

- Tá pensando no quê?
- Se devo ou não dizer uma coisa.
- Que coisa.
- Futilidade!
- E por que não diz?

Ele hesita na resposta. Sempre direto, agora se via sem palavras, ainda fitando-a nos olhos, mas ele continuou.

- Porque é fútil!
- Ah, poupa-me!
- É que...
- Fala logo!
- Eu tava pensando em dizer que te amo, mas você pensaria que é porque a gente acabou de transar, e você diria que estou dizendo isso porque acabamos de..
- Besta... Você é um besta. E só me ama porque acabamos de nos divertir.
- Não foi divertido!
- Como assim? Claro que foi!
- Foi fantástico. Eu amo você e não é por isso.
- Me responde uma coisa... Na verdade, me jura?!
- O que quiser minha linda
- Tu vai sempre me tratar assim?
- Assim como?
- Sempre que terminarmos de fazer coisas erradas, vai deitar do meu lado, me olhar com essa cara de adolescente apaixonado, me fitar nos olhos, me deixar encostar no teu peito, fazer carinho no rosto... – um breve suspiro, acompanhado de um sorriso, e ela continuou – acariciar meus cabelos, cobrir meu corpo, beijar a minha testa, me sorrir e pateticamente me dizer que me ama... Você vai sempre ser assim?

O silêncio perdurou alguns segundos. Como romântico que era, deixou as palavras marcarem aquele momento. E marcariam. Pensou no que responder, e hesitou entre as respostas. Não, aquilo não merecia nem uma mentira, nem uma verdade que pudera ser dolorosa. Ensaiou na cabeça diálogos, monólogos, viajou em pensamentos que iam de Shakespeare até escritores baratos de livros melosos. E disse, não antes de proferir alguns sons, ruídos, onomatopéias:

- E se eu disser que te amo, essa resposta, por algum acaso responderia sua pergunta?
- Você vai ser sempre ser assim?
- Eu te amo, antes, agora, depois... até no dia em que você me deixar...


E levantou da cama, afastando ela do seu peito suavemente. Vestiu a roupa encontrada no chão, espalhada entre outras roupas. Encaminhou-se até o guarda roupas que tinha a porta já aberta. Pegou um pequeno bloco de notas. Folheou até encontrar o que desejava. Antes de lê-lo perguntou:


- Você me ama? - Antes que ela o respondesse, ele antecipou-se e disse – Não quero saber. Você me faz feliz. E eu te faço feliz hoje... – pegou a folhinha e arrancou do bloco de notas – jogando em cima da cama – e você me faz feliz hoje...

Ela lentamente, com o lençol envolto entre os braços, segurando os seios, esticou-se e pegou o bilhete. No pedaço de papel tinha escrito: “Filme: Closer. ‘Te divirto, mas te canso.’” . Ela disse:

- Eu te canso?
- Eu te canso. Mas eu te amo. E eu prometo que enquanto eu estiver com você, eu serei assim, tolo, apaixonado, amante convicto do tempo e do amor.

E o silêncio se instaurou. Ela tentou falar, mas ele pôs o dedo sobre os seus lábios e em seguida a beijou. Em seguida a abraçou. Tudo ficaria eternizado na cabeça dele. E ele fora assim. Amou-a durante o tempo que estiveram juntos. Até o dia que ela a deixou. Mesmo depois. Chegou a admitir para si que tinha chegado à humildade máxima que um homem pode chegar, e realmente o tinha feito. Ele precisava dela pra existir. Teve que reaprender com o tempo a viver, a pensar, e posteriormente a amar. E jamais quebrou a promessa dele, nem perdera o brilho dos olhos a cada vez que a via sorrir. Por fim, achou que só ele teria amado. E tão somente talvez, só ele realmente o tinha. E não precisou mais utilizar as palavras pra descrever o amor. Naquele momento, descobriu que poucos tinham aquele dom. Ele tinha.

19 fevereiro, 2012

Acorda Recife, acorda... (Galo)


Acordo 9:30. Levanto meia hora depois. Não tenho planos. Não para aquela manhã e tarde. Era sábado. Sábado de Zé Pereira. Não, sábado de Zé Pereira não. Sábado de Galo. Havia esquecido deste detalhe. Vou tomar café. Apenas eu e a gata de pé. A coroa já estava lá. Meu pai, trabalhando. Minha irmã dormia. E como dormia. Como lentamente e tenho a ideia de ligar a televisão. Ociosamente mudo de canal. Até que ou na tribuna ou na TV jornal, tudo que passa é sobre o carnaval. São Pedro não dava trégua. Chovia como no inverno, águas de Março, em pleno fevereiro. Assisto, vejo na telinha de 32 polegadas as figuras exóticas, fantasiadas, travestidas, maquiadas e flutuantes. Sem mais adjetivos, porque adjetivos de nada serviriam. E eu. A tela parecia pequena. Cada vez menor. E passam os artistas, os trios, os ídolos. Não, não eram heróis, eram ídolos de uma massa que parecia menor por causa da chuva mas tão somente parecia. Uma lágrima desce lentamente o meu rosto. Minha irmã levanta. E me olha antes de ir ao banheiro. Quando ela volta eu grito. Na verdade explodo uma frase: “Eu não consigo ficar em casa no dia do Galo, eu vou!”. E ela disse que pensaria. Recebi apoio na internet. Não posso faltar uma terceira vez. Não com a saúde que eu estou e nem com a proximidade que eu estou*. Lembro me de uma frase que li num livro que dizia “Eu sou povo.” – fazendo referência a Getúlio Vargas, e o motivo de votar nele** – e naquele momento eu era o povo. Não, não poderia ficar em casa. Não conseguiria ficar apenas olhando por uma telinha. É real, existe, tá lá. No meu lindo e mesmo que fétido Recife. E fui, e minha irmã também. E Priscila me ligou, e foi também. E é assim. Irracionalmente sou atraído como um polo de um imã. Porque eu mesmo não saberia explicar como alguém em sã consciência troca o conforto da sua casa, com comida, banheiro e abrigo pra ir pro meio de uma multidão, arriscado a sofrer entre as brigas, levar chuva, ser apertado quando passa um trio, sofrer pisões no pé, gastar dinheiro entre tantos outros reveses. Mas tudo isto fez sentido quando cheguei lá. Tenho o sangue de folião da minha mãe nas minhas veias. E mesmo que racional, eu não consigo explicar com palavras o arrepio que me deu ao ouvir “Frevo mulher”. Sim, até minha irmã falou que os pelos da minha face e da minha barba inexistente se levantaram. E se o amor é inexplicável, Galo eu te amo. Se valeu a pena?! Sem comentários.


*Perdi o galo apenas 2 vezes. Uma por doença e outra por estar em Genebra.

** Livro de Arnaldo Jabor, “Amor é prosa, sexo é poesia” trecho que o avô dele explica o motivo de votar em Getúlio Vargas utilizando a frase: "No Getúlio, seu Arnaldinho... ele gosta do povo e eu sou povo."

28 janeiro, 2012

Velhas crônicas, Não postadas! N° 2


O amor...ou a falta dele...Cansado de escutar pagodes, de chorar lágrimas, de sofrer em pensamentos que não saem de minha cabeça. Paro então para escrever. Sobre o tema que mais gostava ou que mais gosto de falar. Sobre aquele que guia a humanidade, e talvez o único que ainda possa salvá-la desta destruição eminente. Até pareço estar amando. Não. É justamente por isso que estou escrevendo. Passada a raiva e após o baque que sofri, consigo juntar os cacos e unir algumas ideias ligadas talvez sem nenhuma coesão neste texto bastante ignóbil. O amor. Sentimento de merda este. Pode te levar as nuvens, mas se você o perde por um instante inesperado, você pode se afundar no mais puro inferno. Certo dia tava discutindo o amor com crianças de oitava série numa aula de redação. Tentava mostrar um tema complexo e ao mesmo tempo problemático. As ideias de amor daqueles adolescentes não estavam de todo errado. E o meu Niilismo não me permitia corrigir eles. Alguns pensam como eu pensei, outros como penso agora. Se é que penso agora. A verdade é que quase ninguém mais acredita nisso e eu estou me juntando a este grupo. Ou pelo menos estou sendo levado a acreditar que tudo aquilo que idealizei se transformou em um sentimento que beira a raiva ou que simplesmente inexiste. Talvez esteja mais uma vez enganado quanto a sua existência. Talvez exista. Aí eu me pergunto então sobre o que senti. Era real? O erro sou eu? Devo eu acreditar no que todos dizem? No amor de 4 edições de caras? A pergunta que me vem a cabeça é a de por que eu deveria me importar. E eu ainda me importo. Porque sem o amor, somos só, e tão somente, animais.

23/04/2011


P.S: Curado, por isso resolvi postar.


24 janeiro, 2012

Abutres e joão-de-barro


Amor, amorzinho, amor lindo, meu lindo, my sweet love, amore, meu anjo, minha estrelinha. Cada uma delas te chamou de alguma coisa. Te tornou especial em uma palavra. E cada vez que alguém comum chamar você desta palavra, ou simplesmente a cada vez que uma destas palavras forem entoadas da mesma maneira por alguém, você vai lembrar delas. Elas te fizeram juras, eternizaram momentos e deixaram lembranças. Lembranças agradáveis. Nada mais que isso. Te deram prazer, te enfeitiçaram e no fim partiram. Partiram sós, sem medo, sem receio, sem um adeus adequado. Se é que há algum tipo de adequação para despedidas. Se bem que a palavra despedida não tem o seu valor adequado. Utilizaria ela quando soubesse que as veria novamente. Não é o caso. Não porque eu não queira, embora em alguns casos eu não queira. De qualquer forma já faz tempo que elas partiram. E quando se foram, levaram algo que as pertenceu de alguma forma. O meu coração. Claro, o ideograma do meu coração. Aquele desenho tolo que invertido parece duas nádegas. Mas não levaram por inteiro. Levaram apenas um belo pedaço. Alguns maiores outros menores. Penso até que em certos furtos da massa imaginária do meu coração, jamais vão ser recuperados. É como se tivesse perdido um pouquinho dele, pra sempre. Até o ciclo começar novamente. Até você idealizar um ser tão imperfeito quanto você, e só porque ele te faz se sentir excitado, ou acelera seus batimentos cardíacos, você resolve colocar seu dilacerado órgão a mostra novamente. Para talvez um abutre levar ou quem sabe, um joão de barro construir uma casinha, para jamais deixar que outros abutres levem mais pedaços. Pena que os abutres são a maioria. E por mais que se erre, tente se consertar, os abutres não tem sentimentos (eles tem mas já são miúdos, ou cansados de outros abutres do mesmo sexo que o meu). Apenas te farão lembrar de momentos, que jamais sairão da sua cabeça, como a forma que uma delas mordia seu lábio suavemente ao te beijar, como uma delas te olhava depois de um primeiro beijo sabendo que te desconsertava, outra te olhava implorando um contato mais caliente depois de um abraço que implorava proteção, um simples andar de mãos dadas com gélidos dedos que se mexiam em busca de atenção para um carinho ou uma delas protegendo do sol os olhos já encolhidos por natureza depois de te sorrir mostrando o principal cartão de visitas que te enfeitiçou um dia. Preciso de um joão de barro. Antes que eu me torne um abutre, ou antes que eu deixe de ser um simples e mero joão de barro.




15 janeiro, 2012

Promessas, lágrimas, silêncio... e amor.

Sentado na cadeira. Decidiu ir deitar, depois de horas perdendo o seu tempo ,nem tão valioso, mas desperdiçado, na internet. Levantou-se, e saía do quarto para ir beber água antes de dormir. O telefone toca. Ele atende.
-Alô!
- Amor?!
- Oi, amor.
- Não sabes o que aconteceu.. Lembra de Carlos?
- Carlos?!
- É, aquele, no dia do cinema.
- Qual dia do cinema?!
- O namorado da minha prima!
- Sim, sei – ainda tentando associar nome a pessoa – sim.
- Pronto, amor, acabei de receber a notícia que ele morreu, tô tão triste.

Ele continuou frio. A morte do rapaz não significava tanto pra ele. Tanto que ficou estático e demorou a responder. E quando respondeu foi seco.

- Morreu de quê?
- Tu acredita que ele teve um infarto?
- Sério?
- Sim...tava em casa, foi tomar um banho, começou a demorar, quando a mãe tentou chamá-lo, não teve resposta e abriu a porta... ele tava estirado no chão.
- Caramba..
- Pois é, e só tinha 19 anos. Melissa tá arrasada. Eu vou ligar pra ela pra tentar acalmá-la.
- Liga mesmo, amor.
- Vou ligar.. Só 19 anos, praticava Jiu-jitsu, menino bom, tu não tás tão chocado...
- Pois é, eu só o vi uma vez. Não éramos nem amigos só o conhecia.
- Mesmo assim, amor.
- Enfim, ele fumava?
- Pouco, Melissa conseguiu fazer com que ele parasse mas ele fumava escondido. E bebia. Melissa soube que uma vez ele cheirou loló e é um perigo porque pode infartar.
- Verdade. Loló pode acelerar os batimentos cardíacos.
- É... Melissa disse que ele tava suado passando mal e chegou a desmaiar uma vez.. e jurou que iria parar.
- Será que ele ainda usava?
- Não sei, mas os exames póstumos vão confirmar..
- Hum.. sei.
- Enfim.. Vou desligar, beijos.

E assim a conversa terminou. Ela ligou pra prima, com todo o zelo e atenção. Ele manteve-se normal, tentando lembrar mais do rapaz, pra ver se conseguiria sentir um pouco de remorso ou tristeza que não havia. E foi deitar, refletindo sobre a morte prematura, e todo o seu poursuivre.
Pensava na dor dos parentes e o que aconteceria depois. E parava de pensar e foi dormir. Quando já cochilava o telefone toca. Do outro lado ela. Chorando.

- Amor?!
- Oi, amor, que voz é essa? Tá chorando?
- Amor, me promete uma coisa?
- O quê? Por que tu tá chorando? Calma, amor...
- Promete que não vai me deixar, que não vai ficar doente, que não vai morrer logo e assim?

Ela chorava copiosamente. Estranho a sensação de querer dizer que vai ficar tudo bem e saber que o destino pode ser impiedoso com qualquer um de nós. E ela continuou.

- Promete que nunca vai fumar essas drogas, maconha, nem cheirar loló, eu te amo tanto..
Não tinha o que responder. O silêncio durou alguns segundos antes de ser quebrado por ela novamente.

- Promete, amor... Promete que não vai morrer!
- Eu não pretendo, amor.
- Promete pra mim que não vai me deixar, por favor! E que não vai fumar maconha, nem cheirar loló..
- Eu... prometo. Também prometo te amar para todo o sempre..

E ouvia-se as lágrimas e os soluços decorrentes do choro. Que iria quebrando o a falta de palavras e tomando os créditos da ligação. O silêncio não ousava dizer nada, mas naquele momento era capaz de dizer muito. E ele que não acreditava no amor, utilizou a palavra amar com o verdadeiro sentido dela, com todo o seu sentido mais forte, mais real e muitas vezes mais desconhecido. E ela que já havia sofrido por amor, naquele momento pelo medo do trágico, amou, amava. Por mais que no futuro os dois pudessem inverter de papéis, um amar e a outra desamar, naquele momento o amor acontecia, por mais que se negasse, por mais que se evitasse, por maior que sejam as perdas, ou por mais arriscado e frágeis que sejam os relacionamentos modernos, eles sentiram algo em comum. Despediram-se. Ela parando de chorar, e ele começando a lacrimejar, sem que ela percebesse. Ela aliviado e ele agora exatamente o oposto de frio. Só percebiam que naquele momento, se faziam completos porque... porque, só eles sabiam o porquê!

10 janeiro, 2012

Sentidos e memórias..


Ouvi dizer que quando perdemos o nosso paladar e o nosso olfato, estamos propícios a perder algumas de nossas lembranças, e se perdemos as nossas lembranças, é como se não tivéssemos vivido aquela história. Algumas coisas, não queremos esquecer, doutras não queremos nem pensar em recordar. É fascinante, por exemplo, quando vou à praia e alguém pede ostras ao meu lado. A boca enche de água, e chego a sentir o gosto delas na minha boca, mesmo se minha língua não encosta naquele delicioso prato tipicamente praiano. A lembrança daquela especiaria se encontra nas minhas melhores recordações e é como se eu ainda pudesse sentir o sabor daquilo, mas que aos poucos fica mais remoto, mais afastado, menos claro, até o dia em que eu serei forçado à perguntar novamente “qual é o gosto disso?”. Coisas que marcam e trazem sorrisos ao seu rosto, são lembranças boas. No campo olfativo, um cheiro não me traz o sorriso fácil que tenho. Um perfume chamado “Egeo”. Era difícil sentir em outras pessoas sem lembrar de uma. E hoje, é mais um perfume. Espero que chegue logo o dia de dizer, “De quem era mesmo esse perfume?” e ficarei frustrado e talvez feliz por não atribuir a ninguém.