15 abril, 2012

Observados pela lua



Não era o mais confortável. Nem mesmo talvez onde eles queriam estar. Se apertavam num par de cadeiras de ônibus. Um frio do ar-condicionado, que na noite gelada, tornaria tudo bem mais acolhedor se não fosse tão incômodo. O vento esfriava ainda mais aqueles corpos que deveriam estar quentes. Mas não estavam. E na tentativa inútil e visivelmente fracassada de se aquecer, apertavam-se, o que na verdade só os encolhia e deixava os vulneráveis a baixa temperatura. Mãos passeavam por pernas ou trocos. Em outro momento os braços enlaçavam os troncos. Para eles aquilo surtia efeito, embora fosse tão somente psicológico. Em outra hora, dedos se cruzavam por entre as mãos quando dadas, cansados e em busca de um braço, um toque. Como se o tato fosse a visão, os dedos se viam. Ela, apertava-se num travesseiro fino, embora macio, encostado no peito dele. Os belos cabelos castanhos, ondulados e longos estavam soltos e tocavam a face, e com o perfume que exalavam, perfumavam pouco a pouco a fronha amarela lisa, com pequenos bordados. Os braços o envolviam como pessoas que não querem de forma alguma separar. Nem queriam. As mãos delas, ora acariciavam os poucos pelos do braço dele. Ora tocava a bochecha com a barba perfeitamente bem feita e quando cansadas, desciam e descansavam sobre o peito dele. Ele a abraçava como uma criança. Segurava como a um bebê. Como se pudesse protegê-la de tudo, mesmo sendo tão desprovido de traços físicos de um brutamonte. Envolvia por trás do travesseiro e os dedos dele que não brincavam com sua mão, tocavam sua face, afastando da testa e dos olhos dela os cabelos. E lá estavam, num silêncio absoluto. Um sossego dos outros passageiros que eram figurantes. Dormiam, muito provavelmente. Ela tentava dormir, ele olhava pra lua cheia. Suspirou de leve, mas profundo, ela abriu os olhos. Ele com sua péssima visão periférica conseguiu perceber o movimento lento dos olhos dela. Ela sorriu. Ele apenas piscou. Ele falou:

- A lua tá linda.
- Tá mesmo.

E ela voltou aos seus braços. Ele estava sério. Talvez frio. Se encaram. Ela o viu. Ele a enxergou. Ela queria entender porque aquela expressão séria. Então perguntou:

- O que foi?
- Nada.
- Tem certeza?

Apenas balançou a cabeça. Sorriu depois. Um dia ela entenderia que naquele momento ele estava bem. Sentia como um garoto de dez anos novamente. Nada importava. Nada mesmo. O frio não o incomodava mais. Ele estava exatamente onde ele queria estar. Sentindo o que ele queria sentir de novo. As borboletas no estômago. Palpitando o coração. Olhava com a profundidade de uma fossa abissal no meio do oceano Pacífico. Ela respondia o olhar, porém não entendia o “Nada” proferido por ele. Mas olhava o. Até com mais exatidão, porque ele tava iluminado pelo reflexo da lua. Ele tomou a pela nuca e tornaram a se beijar. Talvez todo aquele “Nada” começasse a fazer sentido. Pra ele já tinha sentido. Muito antes, muito antes. Ela entendeu, ele, finalmente, redescobriu a Paixão.

Patrícia Rossiter Obrigado pela ajuda geográfica na parte da Fossa Abissal.
Tati e Bené também.