03 junho, 2012

Um restaurante..



Havia dez anos que aqueles olhos não se viam. Na verdade havia esse tempo que eles não se enxergavam. Não verdadeiramente. Não lembrava dos olhos miúdos dela e de como eles pareciam belos. Por (falta de) sorte, já teria esquecido da brancura dos seus dentes quase perfeitamente simétricos. Não procuraram se encontrar, simplesmente puff... Aconteceu. Peça, daquelas que o destino prega. Num domingo, ensolarado, daqueles ideais para uma praia. Quase meio dia. Estacionou o carro e trancou em seguida. Sairia do ar e praguejaria em seguida contra o calor, contra a umidade relativa do ar, relativamente alta naquele dia. Atravessou a rua para o lado do restaurante e inutilmente procurou por sombras de árvores. Teria que andar uns trinta metros sobre o sol escaldante. Reclamou para si mesmo do calor, tirou um paninho do bolso e enxugou o rosto ainda gelado do ar-condicionado do carro e já suado da falta dele. Adentra o restaurante. Tudo que queria naquele momento era estar na parte refrigerada do estabelecimento. Pediria uma coca, esperaria sentado por seu macarrão Chop Suey. Sentou-se. Chamou o garçom e de repente sentiu um leve toque no seu ombro:

-Pedro?!

E virou. Lentamente. O som da voz era uma vaga lembrança, cada vez menos familiar. Olhos nos olhos, como há muito não faziam, e que repetiram o brilho da primeira vez, dezoito anos atrás. Não eram mais crianças. Nem adolescentes. Tampouco tinham as auras despreocupadas. Já carregavam o fardo repudiável de serem adultos. Não eram mais os mesmos. Mesmo sendo. Eram diferentes. Os olhares se penetraram por longos segundos. E lembranças passaram como um turbilhão. Boas ou ruins, passaram em segundos. Ou milésimos de segundo. Não sabiam contar o tempo. Não existia tempo, não além dos dez anos daquele encontro. Um aperto no coração dele, um súbito desconforto estomacal nela. Isso tudo no momento em que ele ouviu aquela voz que sorria, e no momento em que ela esticou o braço para tocá-lo. As palavras seguintes seriam desconexas se fossem proferidas. Então tudo que conseguiu dizer foi:

- Lisa.

A mudez prosseguiu por eternos segundos. Como aqueles segundos, os ditos do momento que antecede a sua morte. Mas eles estavam vivos. As pupilas mudavam as direções. Analisavam a anatomia dos corpos alheios. O que mudou nestes dez anos? O que está igual?. Tentavam a todo custo descobrir e redescobrir um ao outro. Ela estava não menos bonita. O corpo bronzeado e sinuoso agora de mulher feita, talvez mãe, dentro de um vestido florido cabelos um pouco mais longos do que o de costume, num castanho escuro mais bonito que os negros de outrora. O mesmo sorriso, os mesmos olhos. Ele, mais forte, com cara de homem, óculos de grau no rosto, barba por fazer e não mais rala. Uns primeiros grisalhos já apareciam, parecia estar mais alto, mas só tinha ganho músculos, exibidos entre os botões de sua camisa polo preta aberta, com uma bermuda bege e sapatos de cetim. Mulher e homem. Feitos agora. Sentiram a estranheza do silêncio que começava a incomodar. Ele nunca se incomodou com isto, já isto a falta de sons a irritava, então por lógica ela falou:

- Como vai você?

As palavras que eram desconexas, se embaralharam na cabeça dele. Na verdade sumiram. Abriu os lábios na tentativa de que elas viessem a ponta da língua e por consequência saíssem. Ela distribuiu um sorriso convidativo a qualquer resposta. Um sorriso que pedia afabilidade na resposta. Um sorriso que apagasse qualquer má lembrança, e nesse sorriso ele queria se perder. A resposta então seria “bem obrigado e você?” seguido de um sorriso também doce. Mas como fazer isso sem mentir. Ele estava bem realmente. Ela provavelmente também. O tempo havia se encarregado de tudo. Ela puxou uma cadeira e perguntou:

-Tem alguém aqui?

Ele nada disse. Apenas balançou a cabeça negativamente. Sem sorrisos, sem expressões de alegria ou de estar confortado com a situação. Ela cruzou as pernas e botou a bolsa sobre a mesa, onde a mão dele já estava. Naquele momento, viu um anel. Uma aliança, ou anel de compromisso. Era noiva. Ele já tinha passado o anel no mesmo dedo, porém trocara para mão esquerda havia pouco tempo. Pensou em levantar, sair dali, fugir daquilo. Responder doeria. Voltou a olhar nos olhos dela. Respondeu sua pergunta:

-Não, não tem ninguém aqui.

Chamou o garçom. Apenas com um gesto. Que foi respondido com um outro aceno. O garçom veio em direção a mesa e trouxe a bebida. Recebeu um sorriso como agradecimento. Entregou o menu a moça, e continuou a atender as mesas. Ela olha pra mão dele ao pegar o copo e pergunta:

- Casou?
- Sim. Faz 1 ano.
- Estou noiva.


Nada disse. O que diria ele? A falta de respostas geram mais perguntas. Pelo menos tende a ser assim. E na ausência de novas perguntas ou de novas frases, a calmaria se instala. Ela pergunta:

- Não vai dizer nada?
- O que você espera que eu diga? Quer que eu a parabenize? Que eu pergunte quem é? Perguntar se ele te faz feliz?
- Desculpa.
- Relaxa... Garçom vai demorar?!
- Eu te incomodo estando aqui?
- Não. Eu me incomodo.
- Se eu soubesse..
- Não importa mais. Nada importa mais. Há 10 anos, nada mais importa.


E neste exato momento, o garçom chega com a conta dele e com a comida pra viagem em 2 embalagens. Ele pega a carteira e tira uma nota dizendo que poderia ficar com o troco. Guardou a carteira. E levantou da mesa. Pôs um óculos escuro no rosto. Sorriu secamente e ela disse:

- Pensei que poderíamos almoçar juntos um dia depois de tanto tempo e sem mágoas.
- Não leva a mal, minha mulher e filha estão em casa me esperando.
- Você tem uma filha?
- Tem 3 meses. Chama-se Lisa.


E partiu. Firme, forte, com lágrimas contidas. Desistiu e parou. Deu meia volta e disse:

- A propósito, da sua primeira pergunta, eu estou vivo, tenho saúde, estou financeiramente estável, tenho uma bela família, uma filha linda e uma esposa adorável que me ama verdadeiramente. Pra todo mundo que me pergunta esta mesma pergunta, eu digo que estou bem. Mas sendo bem sincero, você deveria saber, que é a única pessoa, que não poderia me fazer essa pergunta.
- Por que?
- Porque até hoje eu me culpo, e minto pra mim. Me digo que só seria completo com você, o que pode parecer mentira! E pra constar, infelizmente, a gente ama quem a gente ama, não importa por que a gente ama. Eu te amo, só não gosto mais de você. Adeus.


E seguiu. Lágrimas que se contiveram caíram. Nos olhos de ambos. Torceu para que nunca mais se encontrassem e que só lembrasse dela quando a vida passasse diante de seus olhos. Ela aprenderia agora, e somente agora a viver sem amor.



5 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo texto!

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gostei mesmo...valeu a pena ter lido...forte abraço.

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