Não era o
mais confortável. Nem mesmo talvez onde eles queriam estar. Se
apertavam num par de cadeiras de ônibus. Um frio do ar-condicionado,
que na noite gelada, tornaria tudo bem mais acolhedor se não fosse
tão incômodo. O vento esfriava ainda mais aqueles corpos que
deveriam estar quentes. Mas não estavam. E na tentativa inútil e
visivelmente fracassada de se aquecer, apertavam-se, o que na verdade
só os encolhia e deixava os vulneráveis a baixa temperatura. Mãos
passeavam por pernas ou trocos. Em outro momento os braços enlaçavam
os troncos. Para eles aquilo surtia efeito, embora fosse tão somente
psicológico. Em outra hora, dedos se cruzavam por entre as mãos
quando dadas, cansados e em busca de um braço, um toque. Como se o
tato fosse a visão, os dedos se viam. Ela, apertava-se num
travesseiro fino, embora macio, encostado no peito dele. Os belos
cabelos castanhos, ondulados e longos estavam soltos e tocavam a
face, e com o perfume que exalavam, perfumavam pouco a pouco a fronha
amarela lisa, com pequenos bordados. Os braços o envolviam como
pessoas que não querem de forma alguma separar. Nem queriam. As mãos
delas, ora acariciavam os poucos pelos do braço dele. Ora tocava a
bochecha com a barba perfeitamente bem feita e quando cansadas,
desciam e descansavam sobre o peito dele. Ele a abraçava como uma
criança. Segurava como a um bebê. Como se pudesse protegê-la de
tudo, mesmo sendo tão desprovido de traços físicos de um
brutamonte. Envolvia por trás do travesseiro e os dedos dele que não
brincavam com sua mão, tocavam sua face, afastando da testa e dos
olhos dela os cabelos. E lá estavam, num silêncio absoluto. Um
sossego dos outros passageiros que eram figurantes. Dormiam, muito
provavelmente. Ela tentava dormir, ele olhava pra lua cheia. Suspirou
de leve, mas profundo, ela abriu os olhos. Ele com sua péssima visão
periférica conseguiu perceber o movimento lento dos olhos dela. Ela
sorriu. Ele apenas piscou. Ele falou:
- A lua tá
linda.
- Tá mesmo.
- Tá mesmo.
E ela voltou aos seus braços. Ele estava sério. Talvez frio. Se encaram. Ela o viu. Ele a enxergou. Ela queria entender porque aquela expressão séria. Então perguntou:
- O que
foi?
- Nada.
- Tem certeza?
- Nada.
- Tem certeza?
Apenas
balançou a cabeça. Sorriu depois. Um dia ela entenderia que naquele
momento ele estava bem. Sentia como um garoto de dez anos novamente.
Nada importava. Nada mesmo. O frio não o incomodava mais. Ele estava
exatamente onde ele queria estar. Sentindo o que ele queria sentir de
novo. As borboletas no estômago. Palpitando o coração. Olhava com
a profundidade de uma fossa abissal no meio do oceano Pacífico. Ela
respondia o olhar, porém não entendia o “Nada” proferido por
ele. Mas olhava o. Até com mais exatidão, porque ele tava iluminado
pelo reflexo da lua. Ele tomou a pela nuca e tornaram a se beijar.
Talvez todo aquele “Nada” começasse a fazer sentido. Pra ele já
tinha sentido. Muito antes, muito antes. Ela entendeu, ele,
finalmente, redescobriu a Paixão.
Patrícia Rossiter Obrigado pela ajuda geográfica na parte da Fossa Abissal.
Tati e Bené também.
Patrícia Rossiter Obrigado pela ajuda geográfica na parte da Fossa Abissal.
Tati e Bené também.